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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Velharia de Hollywood: Tarde Demais - The Heiress de 1949


Sem nunca ter sido lançado anteriormente em VHS no Brasil, Tarde Demais, produção de 1949 dirigida por William Wyler, entrou recentemente no catálogo de DVDs distribuídos pela Versátil Home Vídeo, suprindo uma lacuna importante para os entusiastas do cinema clássico norte americano – e para qualquer cinéfilo.
Embora o nome de Wyler seja mais conhecido pelos prestígio de O Morro dos Ventos Uivantes (1939) e Os Melhores Anos de Nossas Vidas (1946) – ou pelos sucessos populares de A Princesa e o Plebeu (1953) e Ben-Hur (1959), uma revisão baseada nos filmes do cineasta lançados em DVD pode colocar Tarde Demais como uma síntese das melhores características de sua obra, vale dizer, sua obra-prima.
A grande maioria de seus 35 filmes de longa-metragem lançados entre 1929 e 1971 (deixando de lado os que fez quando o cinema ainda não tinha som), teve origem em roteiro adaptado a partir de original literário ou teatral; e neste caso, a origem é dupla: a peça The Heiress (também o título original do filme) já era uma transposição do romance de Henry James, Washington Square, geralmente traduzido no Brasil como “A Herdeira” e foi a atriz Olivia de Havilland (nascida em 1916 e ainda viva) que sugeriu que Wyler fosse assistir à montagem de sucesso em cartaz na Broadway.


Ele havia se libertado da parceria com o produtor Samuel Goldwyn com Os Melhores Anos de Nossas Vidas, até hoje considerado um dos mais importantes filmes do pós-II Guerra, sucesso de público, crítica e prêmios do Oscar. Com Goldwyn (e frequentemente com o grande fotógrafo Gregg Toland - o mesmo de Cidadão Kane e vários filmes de Wyler, John Ford e Howard Hawks), o diretor consolidou seu nome em filmes de prestígio que sempre atingiam ótimos resultados comerciais - mas terminado seu contrato com o produtor ele tentou um esquema "independente" tendo Frank Capra e George Stevens como sócios. 
O (hoje inacreditável) fracasso quando do lançamento de A Felicidade não se compra (1946), de Capra, (posteriormente um dos filmes mais amados de rodos os tempos), fez com que a empreitada independente não se consolidasse e Wyler assinou com a Paramount um contrato para a realização de cinco filmes - com mais liberdade de ação do que Goldwyn lhe dava - embora nem toda a que almejava.
Curiosamente a Paramount lançou em DVD no Brasil apenas os outros 4 filmes que Wyler realizou sob sua marca, em ordem cronológica inversa: Horas de Desespero (1955), graças ao mito Humphrey Bogart no elenco; A Princesa e o Plebeu (1953), graças ao carisma da revelação de Audrey Hepburn; e os mais sombrios e bem menos populares Chaga de Fogo (1951), com Kirk Douglas, e Perdição por Amor(1951 - mas lançado apenas em ’52), com Laurence Olivier. 
A Versátil, felizmente, está distribuindo Tarde Demais, como já fez anteriormente com Infâmia (a segunda versão de 1961, com Audrey Hepburn e Shirley MacLaine, apontada por ninguém menos do que Alain Resnais como um dos mais subestimados filmes americanos).
Nas filmagens de Tarde Demais Wyler lamentava a morte no ano anterior do fotógrafo Gregg Toland - que desenvolvera como ninguém a técnica de “foco profundo”, utilizada na sintaxe wyleriana de modo soberbo em Pérfida (Little Foxes) e em Melhores Anos..., recurso que é tema de um famoso artigo de André Bazin “William Wyler, ou le janséniste de la direction”.
Mas, ao contrário do que seus detratores dizem, por mais que Toland fosse tecnicamente muito competente, Wyler não dependia exclusivamente dele para os enquadramentos perfeitos e no uso da profundidade de foco: apesar do trabalho maior que lhe deu conseguir o que queria do fotógrafo Leo Tover, Tarde Demais tem a mesma elegância na narrativa visual de seus melhores filmes anteriores e de muitos dos subseqüentes, com momentos de beleza plástica jamais gratuita - porque a serviço da dramaturgia. 





Um destaque são os fotogramas antes do corte na cena que Olívia de Havilland fica só depois da primeira de duas difíceis conversas com Ralph Richardson - que interpreta seu pai: a atriz – que estava sentada – curva-se para a esquerda, e a inclinação de seu corpo acompanha a mesma linha diagonal que predomina em outros objetos de cena que são vistos de um lado e de outro da atriz: a tela de tapeçaria onde ela borda e o encosto de uma cadeira. Nada é enfático nem pleonástico, a própria brevidade do movimento na retina do espectador faz com que a marcação da atriz e da câmera consiga seu efeito emocional sobre a plateia quase subliminarmente. Mas de modo suficientemente eficiente.
Sem ter Toland, Wyler conseguiu outro trunfo na equipe do filme: o compositor erudito Aaron Copland fez a trilha musical que acabou sendo premiada com um Oscar. Embora com grave deficit auditivo (resultante da explosão de uma bomba quando fazia um documentário durante a II Guerra) o cineasta teve boa formação musical e gostava de praticar ao violino, tendo sugerido a Copland o uso da canção francesa “Plaisir d’Amour” como tema para desenvolvimento da música de fundo - e mesmo como leitmotiv adequado ao enredo (a letra original, que é traduzida para o inglês durante uma das cenas em que Montgomery Clift cativa ‘Catherine’, diz que “os prazeres do amor não duram mais que um instante enquanto as dores de amor duram toda uma vida”).
É interessante confrontar como a “teoria de autor” excluiria Wyler - que, conforme seus biógrafos, interferia em vários níveis dos filmes que dirigia: no roteiro, música e fotografia – sendo bastante conhecida sua direção de atores: ainda é o cineasta com mais atores indicados a prêmios Oscar (e outros) em seus filmes (e com o maior número de atores premiados em suas realizações).
O elenco de Tarde Demais ainda reserva uma coadjuvante subestimada, Miriam Hopkins como a tia alcoviteira que se mostra seduzida de modo vicariante pelo personagem de Montgomery Clift. Hopkins chegou a ser indicada ao Globo de Ouro por sua criação da ‘Tia Lavinia’ que não fica devendo nada à grande Maggie Smith (que fez a mesma personagem na versão de 1997 dirigida por Agnieszka Holland). Hopkins esteve em outros filmes de Wyler, incluindo as duas versões de Infâmia(1936 e 1961).
Falar do desempenho de Sir Ralph Richardosn é dispensável: tendo criado o mesmo personagem nos palcos londrinos, sua composição do Dr. Sloper é impressionante. O médico menospreza a filha menos dotada do que a falecida esposa. A sutileza de Henry James em fazer o publico achar que personagem teria e não teria razão em duvidar das motivações para a corte que o bonito e pobretão Morris (Montgomery Clift) faz à sua filha são um dos pontos altos do filme nas cenas de confronto entre o ator shakespeareano e Olivia de Havilland. 


Consta que o inglês menosprezava os atores hollywoodianos e procurava distrair a atenção da câmera para seus gestos, sutis, mas impressionantes quando contracenava com eles. Wyler se aproveitou dos conflitos latentes (ou nem tanto) por parte do elenco para a tensão entre os personagens se acentuar nos desempenhos - mas não enquadrava sempre as mãos do inglês com seus truques de gestos de palco. 
O desconforto de Monty Clift com as roupas de época também teriam sido aproveitados para aumentar a ambigüidade das intenções do sedutor da futura herdeira, sendo o tema do dinheiro (ou sua falta) tão importante como (mas usado de modo menos enfático do que em) outros romances de James adaptados para as telas: Asas do Amor (1997), A Taça de Ouro (2000) ou Os Europeus (1979) - para citar os mais satisfatórios, ainda que a melhor versão cinematográfica de James ainda seja este Tarde Demais (ao lado de Os Inocentes (1961), de Jack Calyton, baseado no terrorífico A Outra Volta do Parafuso).



Apesar da questão do dinheiro (os que o tem e os que não tem) o que importa mais nesta obra é a relação entre pai e filha com um misto de cuidados e ressentimentos que marcaram a visão do jovem Martin Scorsese quando viu o filme aos dez anos de idade: “nunca pensei que pudesse haver tanta crueldade sob a aparência de tantas boas maneiras e tanta beleza”, declarou ao relacionar Tarde demais como influência sobre seu filme A Época da Inocência.
Se depois do período Paramount a filmografia de Wyler começa a apresentar resultados menos expressivos (apesar de uma - inconvincente - Palma de Ouro em Cannes para Sublime Tentação, 1956), ela ainda reserva trunfos como O Colecionador já em 1965.
Mas ver ou rever seus melhores filmes dos anos 1930, ‘40 e primeira metade dos anos ’50 pode ser uma experiência estética capaz de proporcionar enorme satisfação; e ajudar a compreender porque um Mizoguchi admirava tanto os planos-sequência de Wyler em suas grandes obras - como Pérfida (lançada em DVD no Brasil com o título mudado para Perfídia).

Texto de Luiz Fernando Gallego disponível em criticos.com.br.


A atriz Jessica Chastain (indicada este ano ao Oscar) faz sua estreia na Broadway ao lado de David Strathairn, Dan Stevens e Judith Ivey, no revival da peça vencedora do Tony Award, The Heiress  - a primeira montagem foi em 1947. Escrita por Ruth e Augustus Goetz - baseada no romance Washington Square, de Henry James, que foi publicado em 1880 - e dirigida pelo renomado Moisés Kaufman, essa história dramática ficará somente por 18 semanas em cartaz. 

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