Pesquisar

quinta-feira, 26 de julho de 2012

As aventuras de Batman nas bat-telonas


por Rubens Ewald Filho


A relação de Batman com o cinema remonta aos primórdios da sétima arte. A ideia de um herói baseado na figura assustadora de um quiróptero (morcego), Bob Kane tirou – reza a lenda - do filme “The Bat Whispers”, um thriller de 1930 sobre um mestre do crime que aterroriza os ocupantes de uma mansão. Já o Coringa, arqui-inimigo do herói mascarado, foi inspirado na figura de Conrad Veidt (o Major Strasser de “Casablanca”) no filme expressionista “The Man Who Laughs”, de 1928, que adapta de Victor Hugo a história de um homem cujo sorriso lhe desfigura o rosto.



A primeira adaptação de Batman para as telas foi um seriado em 15 capítulos, produzido pela Columbia em 1943, batizado no Brasil de “O Morcego” (The Batman). Na história, Batman (Lewis Wilson) e Robin (Douglas Croft) enfrentam o maligno Dr.Daka, um espião japonês que transforma as pessoas em escravos de Hitler. Tudo bem ao sabor da época em que os heróis da ficção eram jogados contra o mal representado pelas forças do eixo. Apesar das críticas, o personagem ganhou um segundo seriado em 1949, também dividido em 15 capítulos, intitulado “A Volta do Homem-Morcego” (Batman and Robin) onde a dupla dinâmica aparece personificada respectivamente  por Robert Lowery  e Johnny Duncan. O inimigo desta vez é o terrível vilão mago que rouba diamantes para produzir um poderoso combustível.

O herói, no entanto, ficaria marcado na memória afetiva de muita gente, inclusive deste escriba, graças a um seriado de TV produzido por William Dozier em 1966 para a ABC, detonando a primeira Batmania e chegando a aparecer na capa da revista “Life” em Janeiro do referido ano. O tom de aventura, no entanto, era diluído pelo mais puro deboche e nonsense com Bruce Wayne ganhando a forma do barrigudinho Adam West, acompanhado do seu pupilo Dick Grayson (Burt Ward) o impagável menino prodígio e suas santas exclamações. Muitos se equivocam ao julgar o seriado de TV. De fato, ele distorce a persona amargurada e as habilidades investigativas do herói. Mas, é o produto de uma época e assim deve ser analisado.

O maior destaque ficava, no entanto, para a marcante galeria de vilões personificada por grandes artistas da época: Cesar Romero (galã de diversos filmes Hollywoodianos nos anos 40 e 50) como o Coringa, Burguess Meredith (ator de currículo prolífico nas telas) como o Pinguim, Otto Preminger (diretor de cinema) como Mr. Freeze, Liberace (o grande pianista) como Chandell, e entre tantos outros dignos de menção, Julie Newmar, a primeira Mulher-Gato, cuja sensualidade mexia com os alicerces do herói mascarado e com a garotada que assistia ao seriado. O sucesso na TV levou ao filme “As Aventuras de Batman e Robin” realizado entre a primeira e a segunda temporada da série, levando o elenco da TV para a tela grande, com a exceção de Julie Newmar estava ocupada filmando “O Ouro de MacKenna” com Gregory Peck, e não pode aparecer no filme do homem-morcego, sendo substituída por Lee Merriwether, ex- miss America em 1954.
O seriado ainda resgatou a personagem da Tia Harriet (Madge Blake) e o fiel mordomo Alfred (Alan Napier) que na época não aparecia nas HQs. Na terceira temporada, a audiência já declinava quando Dozier introduziu Yvonne Craig (ex bailarina que atuou também ao lado de Elvis Presley) como Barbara Gordon, a Batgirl , que era filha do Comissário (o veterano Neil Hamilton) e auxiliava os heróis na luta contra o crime. O clima das HQs é reforçado pelas onomatopeias coloridas que invadem a tela nas cenas de briga e a contagiante música tema de Neal Hefti. Foram 120 episódios que reproduziam o clima dos antigos seriados com as dramáticas chamadas que serviam de gancho entre um episódio e outro : “Conseguirão nossos heróis escapar da terrível armadilha? Não percam a continuação, mesma bat-hora, mesmo bat-canal!”.



Passaram praticamente 20 anos para que fosse anunciado um novo projeto de levar as Hqs de Batman para as telas. Na verdade, desde 1980 já existia um roteiro escrito por Tom Mankiewicz (co-autor de “Superman o Filme”), mas este foi descartado quando, em 1986, Tim Burton (vindo do sucesso de “Beetlejuice – Os Fantasmas de Divertem”) já havia sido contratado pela Warner (dona dos personagens da DC Comics) como diretor.
Depois de cogitarem nomes como Bruce Willis, Arnold Schwarzenegger, Mel Gibson, Tom Cruise, Emilio Estevez, Kurt Russell, Jeff Bridges, Harrison Ford entre outros , o escolhido foi Michael Keaton para o papel de protagonista, o que desagradou a muitos fãs, já que o ator não tinha o tipo físico adequado ao papel. Contudo, quando cartazes expondo o  bat-sinal se espalharam pela cidade antecipando a estreia no Brasil, que aconteceu em Outubro de 1989, o filme veio a se tornar um sucesso acumulando uma bilheteria mundial acima de $300 milhões. A cenografia de Anton Furst conferiu nas telas um visual impressionante embalado pela trilha sonora de Danny Elfman.
O filme “Batman” peca, no entanto, por algumas liberdades tomadas com o roteiro que muda a origem do herói transformando o Coringa no assassino dos pais de Bruce Wayne, apenas para produzir um efeito de causa e consequência ligando herói e vilão, mas que nada tem a ver com a HQ original.
Os papéis secundários estavam rasos ainda que interpretados por atores de renome como Jack Palance (o gangster Carl Grisson) e Kim Basinger (a repórter Vicky Vale – interesse romântico de Bruce Wayne criado por Bob Kane nos anos 40). A caracterização se sobressaiu tão acima do roteiro de Sam Hamm que o papel do herói fica à sombra da atuação de Jack Nicholson como Coringa (em papel antes pensado para Robin Williams) que monopoliza as atenções e rouba o filme para o palhaço. O contrato de Nicholson foi milionário ficando com um percentual da bilheteria mundial e royalties dos produtos licenciados. Sem dúvida, o palhaço riu por último!



Em 1992, Burton e Keaton voltam para “Batman- O Retorno”, com o visual ainda mais dark e um roteiro melhorado que coloca Batman contra o Pinguim (Danny DeVito) que concorre para prefeito de Gotham City, uma ideia que chegou a ser explorada no antigo seriado de TV.
Burguess Meredith, que interpretou o Pinguim anteriormente chegou a ser considerado para uma aparição,  mas problemas de saúde o impediram. Uma presença muito forte no filme é Selina Kyle, a Mulher-Gato, papel cobiçado por muitas atrizes e que ficou com Michelle Pfeiffer. Novamente, os vilões eclipsam o herói que ainda enfrenta um terceiro antagonista, o empresário corrupto Max Schreck (homenagem ao ator que interpretou Nosferatu do clássico de F.W.Murnau) interpretado por Christopher Walken.




Apesar do sucesso nas bilheterias, os executivos da Warner queriam um filme menos dark e desentendimentos com Tim Burton – que permaneceu ligado à franquia apenas como produtor - levaram à uma mudança de direção para a sequência “Batman Eternamente” lançada em 1995, com direção de Joel Schumacher, que trouxe Val Kilmer para o papel do herói quando Michael Keaton não demonstrou interesse em continuar.

O novo filme apresentou um visual mais colorido, um novo interesse romântico na figura da psicóloga interpretada por Nicole Kidman, além de introduzir na franquia o personagem do Robin que teve o nome de Marlon Wayans cotado durante o período de Tim Burton à frente da franquia. O papel, no entanto, ficou com Chris O’Donnell depois de cogitado o nome de Leonardo DiCaprio, e curiosamente, um então jovem Christian Bale. Contudo, o roteiro continuou a explorar mal o potencial dos personagens. Tommy Lee Jones é mal aproveitado como Duas Caras, um personagem que nas HQs possui uma carga dramática maior, restando para Jim Carrey os melhores momentos numa atuação afetada como o Charada, o príncipe dos enigmas.



O resultado foi bem nas bilheterias, o suficiente para um quarto filme lançado em 1997: “Batman & Robin”, também dirigido por Joel Schumacher, que transformou o filme num baile de carnaval, com cores em demasia para um personagem de natureza tão sombria quanto Batman. Tendo Val Kilmer trocado Bruce Wayne pelo Santo, Schumacher trouxe George Clooney, que na época estrelava o bem sucedido seriado “ER” e teve boa projeção no cinema em “Um Drink no Inferno”.
Apesar do carisma em cena de Clooney, o filme é um lamentável engano com diálogos patéticos, um roteiro que parece só existir para justificar o grande número de personagens – sem nenhum aprofundamento – desfilando nas frente das câmeras. Desta vez nem os vilões funcionam já que tanto Arnold Schwarzenegger (o  Sr.Frio)  como Uma Thurman (Hera Venenosa) parecem adversários patéticos, sem qualquer traço dos personagens aos quais correspondem nas HQs .O elenco inflado ainda tem a Batgirl, de Alicia Silverstone, que não acrescenta nada à história, nem sequer o apelo juvenil. O resultado desastroso do filme tanto em termos artísticos como de bilheteria afundou a franquia por um longo tempo.



Apesar das tentativas de Joel Schumacher de retornar para um novo filme, Batman ficou na geladeira até a primeira metade da década seguinte quando Christopher Nolan, recém saído dos ótimos “Amnésia” e “Insônia”, assume o posto de diretor e apresenta uma visão mais realista do herói dos quadrinhos, explorando a atmosfera noir e produzindo um filme de ação sem deixar de lado a abordagem psicológica que ficou superficial nos filmes anteriores.
O roteiro assinado por David Goyer para “Batman Begins” acerta na escalação de um elenco que não eclipsa, mas que fortalece a história, destacando Christian Bale perfeito como Bruce Wayne com sua “máscara” de playboy irresponsável e desinteressado ou como um cruzado de determinação férrea.
Michael Caine confere nobreza ao mordomo Alfred, o sempre ótimo Gary Oldman assume o papel do Tenente Gordon com semelhança impressionante com o traço de David Mazzuchelli, Morgan Freeman confere a credibilidade habitual com a qual sempre atua, e Liam Neeson surpreende como o vilão Ra’s Al Ghul. O grande mérito da adaptação de Nolan é que o filme funciona muito bem tanto para os aficionados pelo gênero como para os que apreciam um filme de ação convencional.
Nolan consegue se superar no filme seguinte “Batman: O Cavaleiro das Trevas” de 2008 causando uma forte impressão com a atuação de Heath Ledger – um Coringa que é pura força do caos e irrefreável maldade em assustadora caracterização, a derradeira da carreira de Heath Ledger que foi agraciado com um Oscar póstumo de ator coadjuvante. O roteiro alcança o nível da perfeição contrapondo sanidade e loucura, o bem e o mal, antíteses que constroem a natureza humana e que moldarão o trágico destino do promotor Harvey Dent numa corretíssima atuação de Aaron Eckhart.



O ciclo se fecha agora com “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, canto do cisne de Nolan e Bale no universo do Homem Morcego, deixando – no entanto – o vazio de saber que tragédias como a do Colorado em 20 de Julho último ocorrem e não temos um herói para nos salvar,  pois as sombras que nos cercam são geradas por nós mesmos, pelos valores que deixamos de ter num mundo onde não há morcegos para nos salvar de nós mesmos.


   

Publicado originalmente em blog do Rubens Ewald Filho, todos os direitos reservados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário