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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

[V>Teatro] O Samba Pede Passagem

Por Carlos Henrique Braz
Entre março de 2008 e maio do ano seguinte, a historiadora Rosa Maria Araújo e o jornalista Sérgio Cabral se reuniram religiosamente uma vez por semana. Nos encontros, varavam a noite com um único propósito: ouvir sambas carnavalescos feitos entre as décadas de 20 e 70. Peneiraram 1 200 canções até chegar às 83 composições que são a matéria-prima de É com Esse que Eu Vou, espetáculo com estreia marcada para a próxima sexta (20), no Oi Casa Grande. Trata-se de um desdobramento de outro projeto idealizado pela dupla, Sassaricando — E o Rio Inventou a Marchinha, uma bem-sucedida montagem, vista por 170 000 pessoas em seus quatro anos de trajetória pelo país. Muda o gênero em enfoque, mas a fórmula dos dois musicais é parecida. Oito cantores-atores — mais cantores que atores, diga-se — sobem ao palco fantasiados de arlequim, baiana, colombina e pierrô para executar durante duas horas um pot-pourri de diversos autores, numa espécie de sarau reforçado por pantomimas. Quase não há diálogos, é samba na veia mesmo.
O espetáculo ressalta um gênero que caiu na boca do povo durante boa parte do século passado: o samba concebido para animar o Carnaval nas ruas e nos salões, num ciclo que se iniciava nos meses anteriores à festa. “Os discos eram gravados geralmente em outubro. As pessoas decoravam as letras publicadas em revistas como A Modinha e aprendiam a cantá-las ouvindo as rádios”, lembra Rosa Maria. Nos primórdios, em meados da década de 20, a turma de compositores do Estácio, com Ismael Silva e Alcebíades Barcelos à frente, começou a desenvolver hits para a ocasião. Logo o estilo foi abraçado por autores do naipe de Noel Rosa e Ary Barroso, e posteriormente atraiu Ataulfo Alves, Roberto Martins, Wilson Baptista e Haroldo Lobo. A cada temporada nascia uma nova safra de canções. “Na década de 50 eram lançados 1 000 sambas por ano”, conta Sérgio Cabral. O declínio começou nos anos 60, devido a uma série de fatores: o desaparecimento das chanchadas carnavalescas no cinema, a compra pelas gravadoras de horários na programação das rádios, a migração da audiência para a TV e até o esvaziamento dos bailes e da festa nas ruas. Os sambas de enredo das escolas cariocas, gravados a partir de 1968, ocuparam a lacuna.
Em seu paciente trabalho de arqueologia musical, a dupla de pesquisadores se surpreendeu ao encontrar relíquias desconhecidas até mesmo por iniciados no assunto, como Velho Descarado, escrita em 1946 pelo bamba Herivelto Martins, e O Bigode do Rapaz, parceria de Roberto Martins e Augusto Garcez, feita três anos antes. Ambas estão no repertório do espetáculo, um tanto mais audacioso que a primeira parceria de Rosa Maria e Cabral, a começar pelo orçamento, na faixa de 1,4 milhão de reais — 500 000 a mais em relação a Sassaricando (veja o quadro). Graças à bonança, houve um investimento mais acurado na cenografia. No palco, três artistas são remanescentes da produção anterior: Soraya Ravenle, Alfredo Del-Penho e Pedro Paulo Malta. Eles ganham a adesão do cantor e pesquisador de samba Marcos Sacramento, além de Lilian Valeska, que impressionou os autores com sua atuação em Ópera do Malandro, Makley Matos, o único da trupe escolhido por meio de teste, e Beatriz Faria, a bela filha de Paulinho da Viola. A se lamentar somente a ausência de Eduardo Dussek, perfeito nas interpretações de duplo sentido a que se prestavam as marchinhas da produção anterior. Os arranjos são de Luís Filipe de Lima, e a direção cênica fica a cargo dos craques dos musicais Charles Möeller e Claudio Botelho. Os dois bolaram uma curiosa versão no ritmo do Hino à Bandeira da parte inicial de Ai que Saudades da Amélia, clássico de Ataulfo Alves e Mário Lago. Quem gostar de É com Esse que Eu Vou, cujo nome foi extraído de uma composição de Pedro Caetano, terá a possibilidade de comprar o CD duplo do espetáculo. Ele reúne 101 canções — algumas presentes apenas no álbum — e será lançado no dia da estreia. Abram alas, e as cortinas, que o samba vai passar.

É com Esse que Eu vou. Oi Casa Grande (926 lugares). Avenida Afrânio de Melo Franco, 290, Leblon, 2511-0800. Quinta e sexta, 21h; sábado, 21h30; domingo, 19h. R$ 30,00 a 80,00 (qui. e sex); R$ 40,00 a R$ 100,00 (sáb. e dom.). Bilheteria: 15h/20h (ter. e qua.); 15h/21h (qui. e sex.); 12h/21h30 (sáb.); 12h/19h (dom.). Cc: todos. Cd: todos. IC. Estac. no Shopping Leblon (R$ 5,00 por uma hora). Até 10 de outubro. A partir de sexta (20)

Fonte: Veja Rio – 14/08/10

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